A Copa do Mundo acabou.

Uma crônica que escrevi em agosto de 2010 e ainda não tinha publicado. Como é natural, algumas coisas estão datadas, mas resolvi manter o texto original.

Texto: Pedro Borba

A Copa do Mundo acabou e com ela foi-se nosso ufanismo radical. Agora vamos voltar à vida de sempre, precisaremos assistir um futebol ordinário, trabalhar todos os turnos da semana, assistir um futebol ordinário e – o pior de tudo – trabalhar todos os turnos da semana. Em vez de bobagens verde-amarelas e propagandas sentimentais, teremos novela e horário eleitoral. Acabou aquele assunto que diz respeito a todos, a fábrica incessante de notícias inúteis, a celebração de um polvo vidente. Acabou a graça de assistir Eslováquia e Grécia. E o Maradona não é mais o técnico da Argentina.

A Copa do Mundo acabou e mais uma vez não ganhamos. Essa grande farsa que é o futebol, que faz milhões de pessoas chamarem onze pessoas de nós, teve outro fim trágico. Mas não um grande trágico, como a derrota dramática de 1998 ou a grande decepção de 1982. Foi um trágico acanhado, um trágico holandês, um trágico quartas-de-final. Perdemos como mais um dos trinta e um que sempre e obrigatoriamente perdem. Nossa derrota foi ordinária: saímos como o Enéas da Copa.

A Copa do Mundo acabou e só na próxima eleição teremos outra, e somente lá lembraremos esta que passou, da mesma forma como somente lá lembraremos em quem votamos. E então se reciclarão os comerciais verde-amarelos, as propagandas de cerveja, as superstições, o ufanismo radical e todas as outras coisas que a televisão nos diz em época de Copa. Sentiremos que vale a pena ver de novo, e subitamente nos interessaremos sobre a escalação da Coréia do Sul ou a cultura da Turquia, se ela estiver no grupo do Brasil. Vamos ver uma reportagem de quatro minutos sobre o Jung Lee Pak, habilidoso meia-armador sul-coreano. Vai ter um grupo da morte. Vai ter bolão e surgirá um vidente: se não for o polvo, acreditaremos em um papagaio, num jogador de búzios, num matemático ou num pajé. Claro que vai haver mascote, grito de guerra, bordões e alguma coisa para todos comprarmos (como essa corneta chata), cada um com seu devido patrocinador oficial. Vamos achar natural as pessoas irem aos estádios com perucas, fantasias, maquiagem, taças de papelão e qualquer coisa colorida e luminosa. Será Copa do Mundo, afinal.

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A Copa do Mundo acabou e com ela a licença para dizer “ah, é Copa do Mundo” e assumir papéis ridículos. Caiu o pano. Claro que, como a próxima será no Brasil, a licença de dizer “ah, é Copa do Mundo” já foi incorporada por toda a elite público-privada do país para contornar licitações, superfaturar obras, construir elefantes brancos e acreditar no Ricardo Teixeira. Para quem está ganhando muito dinheiro com ela, a Copa já começou. Para quem vai vê-la da televisão, como se fosse na Rússia, ela está lá na frente, com uma placa laranja dizendo: “desculpe o transtorno, estamos roubando seus impostos”. Droga. Perdi meu ufanismo radical.